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Nem sempre as melhores intenções dos veganos se traduzem no que é melhor para os animais

 Autor: Felipe Krelling

Todo ativista tem boas intenções. Sempre que ele vai fazer alguma ação, por exemplo, ele espera que ela tenha um impacto positivo. Mas será que apenas ter boas intenções significa que os resultados serão sempre positivos? Algumas vezes, o resultado que é obtido pode ser o contrário àquele inicialmente desejado.

Temos um caso prático no Canadá para aprofundar melhor essa questão: Um estabelecimento em Torontoficou conhecido por expor animais mortos sendo dilacerados em frente à vitrine antes de irem para os pratos. Isso gerou tanto incômodo e revolta -logicamente pelo fato dessas imagens serem publicamente visíveis para todos que passavam em frente ao estabelecimento – que ativistas veganos resolveram realizar um protesto. Eles se posicionaram em frente ao restaurante e gritaram segurando placas do tipo: “murderer” (assassino). Além do tumulto, o movimento – principalmente a entrada – do local foram muito prejudicados.

Ativistas seguram faixas com a mensagem ‘‘Assassino’’. Créditos: Marni Jill Ugar

 

O resultado? A mídia colocou os ativistas como ‘‘fanáticos’’ e o açougueiro recebeu mensagens de apoio até em nível internacional (bem como doações em dinheiro para apoiá-lo). Segundo o dono, o movimento de seu restaurante aumentou muito desde então. Apesar da boa intenção, sem dúvidas, esse não era o resultado que os ativistas queriam.

A questão deste artigo é responder a pergunta: apenas possuir uma causa justa, e apenas possuir boas intenções implicam que o que está sendo feito seja realmente efetivo para obter os resultados desejados?

Analisando o que aconteceu em Toronto, e o que lemos diariamente nas redes sociais, a resposta é: não. Veja bem: o açougueiro ganhou dinheiro e espaço na mídia local (inclusive internacional), possuindo mais poder, dinheiro e influência para promover a exploração de mais animais, enquanto os ativistas não geraram um efeito de educação e reflexão, mas de repulsa. Então a mensagem não foi entregue, e os ativistas acabaram contribuindo para que mais animais fossem machucados e explorados. É histórico: agir apenas movido pelos sentimentos ou achar que está do lado certo não te torna alguém eficaz.

Há inúmeras ações de ativistas que, assim como no caso descrito acima, acabam com resultados contrários.

Em 2006,  a polêmica ‘AETA’ foi criada para expandir investigações contra um grupo de ativistas por conta de seus discursos e posts em rede sociais, como ameaças a empresas. A AETA é um ato estadunidense que dá ao Departamento de Justiça autoridade para tratar ativistas pelos direitos animais como terroristas. É a única lei que conecta um discurso ideológico com terrorismo, dando ao FBI mais autonomia em investigações de ações de ativistas pelos animais do que um atirador em Las Vegas, por exemplo.

No mesmo ano, um ativista foi preso e condenado a 3 anos, por conspiração em cometer crimes contra a AETA, como em discursos, posts e protestos que ele fazia parte. Independente das intenções do ativista que foi preso, seus discursos atrapalharam e continuam atrapalhando o movimento nos Estados Unidos por mais de 10 anos, como será citado abaixo.

Atitudes emotivas e inconsequentes como essa, geram interpretações ambíguas em relação às intenções dos ativistas. Já que somos vistos como porta-vozes dos animais não humanos, precisamos ter responsabilidade com a imagem que passamos. No Reino Unido, por exemplo, há fazendeiros relatando que, desde Janeiro, vêm recebendo ameaças de morte de ativistas pelos direitos animais. Como será que todo o movimento vegano é visto a partir de atitudes como esta?

Ao mesmo tempo que isso gerou muita atenção da mídia, o que às vezes pode até ser algo positivo (como ter gerado uma entrevista na BBC de um fazendeiro e de um vegano), a indústria que explora animais se aproveita do discurso para colocar o público em geral contra os ativistas. Ou seja, a imagem que os veganos ficam tachados perante o grande público é a de que eles ‘‘ são cheios de ódio e querem trazer o caos, iludir as pessoas, e colocá-las contra quem produz produtos de origem animal”.

Outro exemplo de ótimas intenções foi um grande resgate de doninhas nos Estados Unidos. Há quem argumente que o saldo ficou muito positivo, visto que 5.740 doninhas foram soltas. Porém, os discursos dos ativistas de 2006 em redes sociais fez as autoridades os considerarem como terroristas por conta da AETA, custando a prisão de 10 anos para dois ativistas, e uma multa no total de $500.000 dólares. Geralmente, com um dinheiro dessa quantia, ações poderiam ser feitas para impactos bem maiores para os animais.

Além da prisão e da multa, o estabelecimento invadido conseguiu voltar a funcionar normalmente (as doninhas foram substituídas), e as que foram soltas ficaram à mercê da sorte, visto que não tinham para onde ir, e nunca haviam aprendido a sobreviver por sempre terem vivido em cativeiro. Já os ativistas, ainda ficaram como inimigos inconsequentes da comunidade. Foi como aquela pergunta que quase todo vegano já ouviu: “está louco? O que acontecerá se soltarmos todas as vacas?”. Então a questão neste caso é: o que duas pessoas, com $250.000 cada – por conta da multa aplicada – conseguiriam fazer em 10 anos para acelerar o processo de libertação dos animais?

Se entendemos que possuir apenas boas intenções não significam necessariamente ter bons resultados, precisamos agir visando resultados práticos às nossas intenções primárias, mesmo que o caminho não seja tão curto e simples como pensávamos inicialmente. O que eu sugiro são abordagens usadas em metodologia científica, nas quais podemos medir nossos resultados com critérios, possibilitando questionamentos e manutenções em nossos métodos. Utilizando um pouco disso, uma abordagem simples em ativismo levaria em conta primordialmente as seguintes considerações:

  • Intenções: o que estou defendendo? É uma causa justa? Onde eu quero chegar? 
  • Métodos/meios: como vou fazer isso acontecer? Alguém já fez algo parecido que eu possa estudar, e ver se posso aprender algo para aplicar? 
  • Efeitos/resultados: eu estou conseguindo atingir o que planejei com minhas intenções? Tem como conseguir resultados melhores?

Deixar de considerar os pontos acima pode não apenas aumentar a chance do resultado simplesmente falhar, como pode desviar de forma negativa a ponto de chegar num efeito reverso, como os exemplos citados acima.

Quando tomamos atitudes baseadas apenas nas nossas intenções primárias sem pensarmos nos meios e nos fins, geralmente criamos uma confusão que alimentamos com assuntos polêmicos, tais como o dilema entre boicotar produtos vs. boicotar empresas ou conglomerados como a Unilever. Existem ativistas que apenas avaliam a intenção, portanto, se é um brócolis da Unilever, comprar dela é considerado ‘errado’, supostamente gerando um resultado negativo para os animais.

É o mesmo erro logístico, pois muitas vezes acredita-se que boas intenções sempre resultam em coisas boas, e o que parece ser algo ruim sempre terá resultados ruins.

Se apenas nos apegarmos nas nossas intenções sem considerarmos análises com critérios, como saberemos se estamos atingindo o que queremos ou se não estamos gastando muita energia e tempo em tarefas nada ou até mesmo contra-produtivas? Sem esse questionamento básico sobre a metodologia geral que estamos usando, como definir ou dizer se de fato estamos atingindo o que queremos?

Se fé e sentimentos não são suficientes para mudar o mundo, e a intenção é de libertar e/ou fazer um mundo melhor para os animais, ao invés de satisfazer essas nossas crenças, deveríamos estar nos perguntando: o que nós estamos precisando? Onde estamos precisando gastar mais energia? O que estamos fazendo, está caminhando neste rumo na melhor forma possível?

Portanto, além das nossas intenções mais básicas, é importante utilizarmos energia discutindo estratégias e maneiras mais eficazes de se agir, analisando dados, avaliando os passos que estão sendo dados, e observando se os resultados estão de fato sendo atingidos. Afinal, se não fizermos isso, podemos acabar gastando um enorme esforço emocional e tempo em ações que podem ter um efeito absolutamente negativo. Isso pode prejudicar o trabalho que inicialmente tentamos desenvolver, e causar até mais danos em nosso foco, que são os animais. Pois quem ganha com ativistas melhores são eles.

 

Fointe: www.veganismoestrategico.com.br

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