Diário de um Vegetariano na Índia
Completando a primeira etapa da viagem, posso dizer que já vi e aprendi tanta coisa, que Após uma longa jornada através do Atlântico, desembarcamos no aeroporto de Paris, me surpreendi com o preço de R$ 12 por uma garrafinha de água mineral! Nas breves horas aguardando o vôo, observei com atenção o jeito frio dos europeus que estavam por ali, pensando comigo se algum dia visitaria este continente com mais calma.
Doze horas depois aterrissaria em Bangalore, grande cidade do sul indiano, que lembra uma cidade do nordeste ("lembra"). O frio europeu é substituído pelo calor desta terra ancestral, que se expressa na multiplicidade de cheiros, cores, barulhos, vibrações e sabores da Índia.
São tantas características interessantes e exóticas, que a vontade que dá é de estar com cada familiar e amigo, apontando e rindo de pequenos detalhes, comentando e aproveitando junto cada peculiaridade desta jornada. Como a loucura do trânsito indiano, por exemplo. As buzinas ensurdecedoras não param em nenhum momento, dia e noite, o tempo todo e em todos os lugares. Já tinha ouvido falar do trânsito da Índia, mas posso dizer depois de nele estar, que é simplesmente impossível para um brasileiro dirigir em tamanho caos. Os indianos têm uma noção de espaço muito precisa, e se desviam dos outros carros no último instante, tirando finos inacreditáveis. E como não sabem usar espelhos e retrovisores, buzinam o tempo todo para avisar de sua presença. Os carros vêm com um adesivo "please, horn" (por favor, buzine). Imagine o caos auditivo!
Partimos de bangalore logo de manhã, após passar uma noite em um hotel levemente assustador. Uma viagem ao interior mostrou outra realidade, com pessoas mais simples e com impressionante pobreza material. Mas ao mesmo tempo, muito amáveis e sorridentes, se encantando com nossa presença. Interessante observar a variedade arquitetônica, a beleza do artesanato, as escolhas de cores... a impressão que dá é que os indianos não abandonam totalmente a infância e gostam muito de coisas que remetem à fantasia e a mundos de sutil criatividade. Algumas horas depois de sair de Bangalore, entramos no nosso primeiro destino: Puttaparthi, a abadia do grande santo vivo Bhagavan Sri Satya Sai Baba.
SAI BABA
Muito já havia ouvido falar sobre este homem de aparência exótica. Viemos passar o Natal e o Ano Novo com ele em seu grande ashram (ashram significa "local de paz" - um centro espiritual). Não deixa de ser impressionante observar o que se tornou o que antigamente era um pequeno vilarejo. Na época do nascimento de Sai Baba, havia 107 habitantes em Puttaparthi. Pessoas bem humildes, em casebres de palha. Hoje, 81 anos depois, o complexo já conta com várias escolas, universidades, escola infantil, de música, hospital de primeira linha (o melhor da Índia), planetário e aeroporto. Tudo construído ao redor de um ashram, com indescritível beleza.
Não vou me demorar tentando descrever o indescritível, mas posso dizer que meus olhos tiveram muito o que admirar nos últimos dias.
Naturalmente, o mais admirável mesmo é a presença viva de um Avatar ("Encarnação Divina"). Muitos já ouviram falar de Jesus e seus "milagres" em muitos níveis. Eu também já li e ouvi muitas histórias sobre este homem que viveu há muitos anos. Bem, procure imaginar o que é poder estar na presença de alguém que, dentre alguns dos menores feitos, figuram coisas que fogem à compreensão humana atual, como materialização de objetos (documentados em vídeo - estou levando dois comigo!), teletransporte de seu próprio corpo, onisciência (saber tudo sobre qualquer coisa), curas infindáveis em muitos níveis, ressurreição de um homem morto.
Realmente é difícil acreditar que algo assim exista em nosso próprio mundo, mas posso dizer que um vislumbre disso estilhaçou minha compreensão da realidade e me abriu para compreender que "existe mais entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia".
É realmente impressionante
o que se formou ao redor de tamanha grandiosidade espiritual.
Milhares de pessoas trabalhando sem remuneração,
com sorriso no rosto e dedicação absoluta,
orações
ocorrendo dia e noite, cânticos maravilhosos, curas
em todos os níveis. Posso dizer que estar na presença
de um campo crístico tão intenso, é algo
que realmente mexe com as pessoas. Eu, particularmente, me
senti bem confortável e protegido em todos os momentos. É claro
que existe um lado um tanto chocante. Higiene, limpeza são
coisas que simplesmente não existem no software mental
dos indianos. Os banheiros são simplesmente inacreditáveis,
sem papel higiênico nem pia para lavar as mãos.
O cheiro de um banheiro público é algo que
beira o ultrajante, e é um desafio para qualquer um
se manter no centro.
A comida também é algo que
beira o lamentável. Tudo é extremamente apimentado
(a pimenta é bactericida e evita contaminações)
e estranho, mesmo para paladares acostumados com qualquer
coisa. Para mim, que gosta de comida simples e o mais viva
e fresca possível, tem sido um desafio que me leva
ao estudo da aceitação do que é disponível
e da capacidade de transcender conceitos de necessidades
físicas. A única coisa viva que consegui comer
por aqui foram algumas goiabas (delicia!) que deixei de molho
em poderosos bactericidas. Lembro-me do asseio impecável
de minha mãe, toda vez que entro em uma cozinha indiana.
Fui em uma excepcional: primeiro cozinham o arroz em grandes
panelas enquanto forram o chão com jornal. Em seguida,
despejam o arroz no jornal e misturam com a "massala" (temperos),
algumas vezes pisando em cima da comida com pés que
parecem nunca ter visto uma torneira. Finalmente, retornam
tudo para os caldeirões. A comida é então
abençoada com mantras e orações, todos
são servidos em pratos de inox e comem utilizando
os talheres naturais: as mãos. Algo interessante de
se ver (lembrei-me novamente de mamãe).
Felizmente minha saúde tem sido divinamente
protegida e tudo tem corrido muito bem. Observo dia após
dia a felicidade natural no rosto dessas pessoas que têm
condições de vida material tão precária
e tanta alegria que vem da riqueza espiritual que e a herança
deste povo tão contente. No ashram de Sai
Baba, religiosidade e religião são coisas distintas.
Sua mensagem é universal: diz para hindus, cristãos
(tem uma estátua de Jesus no templo!), muçulmanos
e judeus que o amor é universal e que o maior de todos
os mandamentos é vivê-lo.
Já que
falei em templo, não
vou deixar de expressar minha infinita admiração
pelo Mandir de Sai Baba: uma mega-construção
para 10.000 pessoas (que se sentam ao chão) com uma
arquitetura no mínimo fabulosa, que remonta a algum
reino das mais elevadas alturas celestiais. Uma visão
para se carregar até o fim dos meus dias.
Depois de duas semanas
vivendo neste lugar tão incrível, com pequenos
milagres acontecendo a cada dia, me despedi com um leve
aperto no coração
e parti retornando para Bangalore. Interessante dizer que
quando retornei para o quarto de hotel que antes tinha achado
meio assustador (pelo grau de limpeza) me senti com se estivesse
entrando em um Hilton ou algum outro cinco estrelas. Nada
como uma mudança de referencial!
Parto de Bangalore
deixando para trás
o calor intenso do sul da Índia em direção
a Rishikesh, terra sagrada de muita sabedoria e espiritualidade, às
margens do rio Ganges e aos pés da Cordilheira do
Himalaya.
Lembrei-me agora que só trouxe uma fina blusa de frio...
Flávio
Passos
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