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Dieta vegetariana x Nutrição proteica

1. Disseram que eu tenho deficiência de proteína por ser vegetariano. É verdade, doutor?

Calma aí! Deficiência de proteína não é comum em vegetarianos. Aliás, é raríssimo! Eu nunca atendi um único vegetariano no consultório com este problema e os artigos científicos que avaliam a nutrição proteica de populações de vegetarianos também não o relatam. Infelizmente muitos profissionais apavoram as pessoas adeptas do vegetarianismo com este tema. Quando retiramos a carne do cardápio, até mesmo associada à retirada de ovos e laticínios, não estamos simplesmente negligenciando a importância da proteína da dieta. Estamos apenas optando por oferecê-la de outras formas.

As conseqüências da deficiência de proteínas são diversas, podendo acarretar déficit de crescimento de crianças, alterações imunológicas, retenção de líquidos, alterações em cabelos, pele, entre muitas outras. No entanto, se você tiver algum destes problemas, não se apavore, achando que tem um quadro de desnutrição proteica, pois há inúmeros outros problemas que podem desencadear estas alterações. Uma avaliação detalhada do seu estado nutricional e da sua dieta esclarecerá todas as dúvidas.

 

2. Por que existe terrorismo com relação à necessidade de proteína de origem animal no cardápio?

Se você é vegetariano, com certeza já passou - e ainda passa - pela situação de ser questionado repetidamente sobre as proteínas da sua dieta. As pesquisas científicas iniciais que deram origem aos conhecimentos sobre este assunto foram baseadas em estudos com animais de laboratório. Isto trouxe uma série de erros quando aplicaram este conhecimento a seres humanos. Felizmente as pesquisas mais recentes já mostraram claramente as diferenças que ocorrem entre os seres humanos e outros animais, mas, infelizmente, muitos profissionais ainda não estão atualizados sobre este assunto.

Falar de proteínas não é simples, pois os conceitos básicos são amplos e necessitam de explicações bastante detalhadas para serem completamente entendidas. Vamos abordar algumas questões relevantes neste contexto:

• as proteínas são compostas por aminoácidos: podemos comparar a proteína a um muro e os aminoácidos, a seus tijolos;

• alguns aminoácidos podem ser produzidos pelo nosso próprio organismo, sendo chamados de “dispensáveis” ou não-essenciais; outros, precisam ser ingeridos, pois não temos a capacidade de produzi-los: são os aminoácidos que chamamos de “indispensáveis” ou essenciais;

• não há uma necessidade imprescindível de ingestão de proteínas de origem animal em qualquer fase da vida humana: não existe nem um único aminoácido essencial que esteja ausente nas proteínas de origem vegetal;

• muitos profissionais de saúde ainda utilizam o termo “valor biológico” como referência da qualidade das proteínas; o “valor biológico” reflete a incorporação da proteína absorvida pelo organismo; desde 1991, a Organização Mundial de Saúde e a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) passaram a recomendar a não-utilização deste termo como forma de análise da qualidade nutricional das proteínas, já que o método é muito falho para seres humanos; tal medida foi substituída pelo PDCAA (Protein digestibility-corrected amino acid score), um método que reflete com mais exatidão as necessidades de proteínas dos seres humanos; com este novo método, ficou claro o erro cometido no passado, quando se afirmava que a carne é necessária ao organismo humano como fonte de proteínas; o mesmo é válido para ovos e laticínios;

• os estudos de revisão da literatura científica demonstram que não há diferença alguma na incorporação das proteínas provenientes de alimentos de origem vegetal ou animal no organismo humano; portanto, quando alguém insistir que você deve comer alimentos de origem animal devido ao seu “alto valor biológico”, posicione-se, tendo a certeza de que este é um equívoco freqüente que precisa ser esclarecido;

• o consumo de proteínas vegetais corresponde a aproximadamente 65% do total de proteínas ingeridas pelas pessoas no mundo todo; nos Estados Unidos, este consumo corresponde a apenas 32%, demonstrando que essa população está reduzindo a ingestão de alimentos de origem vegetal e aumentando a de origem animal; as conseqüências deste padrão alimentar para a saúde são nítidas.

 

3. Por que é muito difícil um vegetariano apresentar deficiência de proteínas?

A energia (calorias) de uma dieta é fornecida através dos carboidratos, gorduras e proteínas. Apesar do álcool também fornecer energia, vamos deixá-lo de fora. Pois bem, quando você atinge a quantidade de calorias que necessita, digamos 2.000 calorias (um valor fictício, pois a necessidade energética varia de um indivíduo para outro; na realidade, até mesmo as necessidades de um mesmo indivíduo variam de acordo com o seu gasto diário), é necessário saber de onde provêm estas calorias. Se, por exemplo, a metade veio através da ingestão de gorduras, a dieta está bastante desequilibrada. Isto porque existem percentuais estabelecidos para cada grupo de macronutrientes (gorduras, proteínas e carboidratos) que compõem a nossa dieta. A recomendação mais aceita atualmente estabelece que a proteína forneça cerca de 10 a 15% do valor energético total. Assim, numa dieta com 2.000 calorias, 200 a 300 calorias devem ser provenientes das proteínas, enquanto as calorias restantes são distribuídas entre carboidratos e gorduras, também com proporções estabelecidas.

Através de um cálculo simples, podemos entender por que é quase impossível ocorrer falta de proteínas na dieta vegetariana. Basta que tenhamos em mente o conceito básico de que, do total de calorias ingeridas na dieta, cerca de 10-15% deve ser proveniente de proteínas. Basta conhecermos a quantidade de proteínas que está presente nos diversos grupos alimentares. Esses cálculos são apresentados no meu livro “Alimentação sem Carne – guia prático” com mais detalhes.

Entenda os números abaixo da seguinte forma: se você ingerir apenas o grupo de alimentos discriminado, você estará atingindo a quantidade indicada de proteínas, em valor percentual. Lembre-se de que o ideal, no balanço final do que você ingere em 24 horas, é manter isso entre 10 e 15%.

Veja a seguir os percentuais de proteínas dos grupos alimentares (valores aproximados):

Carne vermelha - 57,68%

Peixe - 77,25%

Frango - 48,58%

Frios - 27,76%

Ovos - 32,35%

Leite - 24,67%

Queijo - 26,53%

Cereais integrais em grão - 13,32%

Derivados dos cereais (flocos, massas) - 14,3%

Cereais refinados - 10,34%

Leguminosas (feijões) - 26,34%

Derivados de soja - 35,22%

Oleaginosas - 10,92%

Sementes de oleaginosas - 16,18%

Legumes - 22%

Verduras - 32,79%

Batatas e alguns outros tipos de “amiláceos” - 5,91%

Frutas - 6,86%

 

Dessa forma, se você ingerisse apenas cereais integrais o dia inteiro (o que não é recomendado... não se esqueça da variedade alimentar!), cerca de 13,32% das calorias seriam provenientes de proteínas.

As duas únicas formas de ingerir menos proteína do que o necessário seria:

1: não ingerindo a quantidade de calorias necessárias por dia (processo que podemos chamar de inanição e, não, vegetarianismo);

2: fazendo com que a base da alimentação fosse constituída de alimentos com teor muito baixo ou ausência total de proteínas (batata, frutas, óleos e açúcar, por exemplo).

De forma geral, os estudos mostram que, no balanço total da alimentação, os vegetarianos ingerem menos proteínas do que os não-vegetarianos, mas esses valores são adequados em termos de quantidade total de proteínas e de aminoácidos ingeridos. Os onívoros, em geral, consomem mais proteína do que o necessário.

Geralmente, os vegetarianos consomem aproximadamente 13 a 14% do seu volume calórico na forma de proteínas, enquanto que os onívoros ingerem cerca de 16 a 17% ou mais.

Com relação à obtenção de todos os aminoácidos, o ajuste também não traz problemas. De forma prática, havendo leguminosas no cardápio (como feijões, soja, lentilha, ervilha e grão-de-bico), o balanço fica adequado quando combinadas com cereais (preferencialmente os integrais) e sementes oleaginosas. Estes alimentos não devem faltar na dieta do vegetariano. Assim, boas combinações são: arroz com feijão, arroz com lentilha, sopa de feijão com gergelim, sopa de lentilha com broa de milho, entre tantas outras.

 

4. É verdade que existem mitos sobre as proteínas de origem vegetal? Quais são eles?

Vamos abordar alguns mitos com as explicações a seguir:

Mito: A dieta com alimentos de origem vegetal não fornece proteínas adequadamente ao organismo (carentes em aminoácidos).

É verdade que alguns alimentos podem apresentar teores baixos de um ou mais aminoácidos específicos (como a lisina), mas a combinação de diferentes grupos de alimentos fornece todos os aminoácidos em quantidades adequadas.

Mito: As proteínas provenientes de fontes vegetais não são “tão boas” quanto as provenientes de fontes animais.

A qualidade depende da fonte da proteína vegetal ou da combinação de diferentes fontes. A dieta vegetariana pode fornecer todos os aminoácidos necessários ao organismo.

Mito: As proteínas de diferentes alimentos vegetais devem ser consumidas juntas na mesma refeição para atingir um alto valor nutricional.

Os aminoácidos não precisam ser consumidos todos na mesma refeição. A maior importância está em consumi-los ao longo do dia.

Mito: Os métodos baseados em animais para determinar os valores de necessidade nutricionais de proteína são adequados para humanos.

Estes métodos costumam subestimar a qualidade nutricional das proteínas, já que as necessidades de proteínas e a velocidade de utilização delas é muito diferente entre os animais e os seres humanos.

Mito: As proteínas vegetais não são bem digeridas.

A digestibilidade pode variar de acordo com a fonte e o preparo da proteína vegetal. A digestibilidade da proteína vegetal pode ser tão alta quanto a animal para alguns alimentos.

Mito: A proteína vegetal não é suficiente (sem a carne, ovo ou os derivados do leite) para oferecer as necessidades humanas de aminoácidos.

A ingestão dos aminoácidos essenciais pode ser tranqüilamente atingida utilizando-se apenas as proteínas vegetais ou uma combinação delas com fontes de origem animal (ovos, leites e queijos, como na dieta ovo-lacto-vegetariana).

Mito: As proteínas vegetais contêm os seus aminoácidos desbalanceados e isso limita o seu valor nutricional.

Não há nenhuma evidência de que este balanço seja importante. O que importa é que todos os aminoácidos atinjam o seu valor de ingestão recomendado ao longo do dia. Teoricamente este “desbalanço” pode ocorrer, sim, por uma ingestão inadequada de aminoácidos, mas isso não costuma ser um problema prático comum.

Mito: Existem aminoácidos na carne que não podem ser encontrados em nenhum alimento do reino vegetal.

Todos os aminoácidos essenciais são encontrados em abundância no reino vegetal.

 

5. Existem exames para avaliar o estado nutricional em relação às proteínas?

É possível mensurar, através de exames de sangue, marcadores de nutrição protéica. A albumina sérica, por exemplo, é um destes indicadores. Mesmo os veganos (ou vegetarianos estritos) possuem, em geral, níveis semelhantes aos onívoros. Isso deixa claro que a nutrição protéica não é problema para os vegetarianos. Podemos avaliar também dados da composição corporal, como a adequação da massa magra e outros exames laboratoriais que têm relação com a ingestão de proteínas.

Afirmar que o vegetariano vive às margens da deficiência protéica é um erro conceitual, além de não estar baseado em evidências científicas.

Dr. Eric Slywitch

Fonte: http://www.abran.org.br

 

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