De que maneira as tradições religiosas e filosóficas antigas abordavam a relação entre humanos e animais, e como isso contrasta com o pensamento moderno?
Historicamente, a relação entre humanos e animais foi abordada de diversas maneiras em tradições religiosas e filosóficas, muitas vezes contrastando com o pensamento moderno que tende a desvalorizar a vida animal.
Em culturas arcaicas, como as associadas ao xamanismo e às pinturas rupestres, havia uma profunda comunhão entre humanos e animais, onde a diferenciação era mínima. A Grande Deusa, Senhora dos animais, e lendas como a do primeiro xamã (gerado por uma águia e uma mulher) demonstram essa conexão intrínseca e sagrada. No Antigo Egito, a sacralização de animais, como o gato (associado à deusa Bastet), e leis severas contra aqueles que os maltratavam, refletem um profundo respeito.
No Oriente, o budismo, baseado nos ensinamentos de Buda (século VI a.C.), pregava a compaixão e a misericórdia por todos os seres vivos, promovendo uma benevolência sem limites e os cinco preceitos fundamentais, incluindo "não matar". O Bhagavad-gītā do hinduísmo defendia o "ahimsã" (não violência), baseado na ideia de que todas as criaturas têm uma identidade entre si, como forma de uma única realidade divina e cósmica, e que a violência rompe essa unidade. O cristianismo, em manuscritos essênios do século III d.C., também apresenta ensinamentos que enfatizam a proteção dos animais e a alimentação vegetariana, com Deus pedindo contas por animais assassinados.
Na Grécia Antiga, figuras como Pitágoras e Aristóteles reconheciam a consciência e racionalidade em animais não humanos. Pitágoras baseava seu vegetarianismo na crença da transmigração das almas.
Em contraste, o pensamento moderno, especialmente a partir do século XVII, com Descartes, marca uma ruptura significativa. Descartes afirmava que os animais são "máquinas" desprovidas de alma, consciência reflexiva, linguagem e emoções, capazes apenas de reflexos a estímulos. Essa teoria mecanicista foi crucial para fundamentar o uso indiscriminado de animais em experimentos e sua exclusão da consideração moral por séculos. Similarmente, o pensamento kantiano postula que não temos obrigações morais diretas para com os animais, apenas deveres indiretos cujo verdadeiro fim é a humanidade, negando-lhes autonomia e valor inerente. A visão religiosa cristã dominante, que postula que apenas humanos possuem alma e foram criados à imagem de Deus, também contribuiu para a naturalização da subjugação animal.
Essa mudança paradigmática da modernidade, marcada pelo antropocentrismo e pela racionalidade como característica humana por excelência, levou à desvalorização da vida animal e à justificação da sua exploração.
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