Skip to main content

Lactose em remédios

Relatório: Lactose na Indústria Farmacêutica

Resumo: Este relatório aborda o uso da lactose – um açúcar derivado do leite – como insumo na indústria farmacêutica, esclarecendo sua definição química, função como excipiente em medicamentos, origem (animal, vegetal ou sintética), compatibilidade com dietas veganas e alternativas veganas utilizadas para substituí-la. São apresentadas informações de fontes confiáveis, incluindo referências de fabricantes e diretrizes regulatórias, visando orientar especialmente o público vegano preocupado em evitar produtos de origem animal em medicamentos.

O que é a lactose?

lactose

Descrição: Estrutura química simplificada da lactose, um dissacarídeo composto por duas unidades de açúcar (glicose e galactose) unidas por ligação β(1→4).

A lactose é um carboidrato do tipo dissacarídeo, conhecido como “açúcar do leite”, formado por duas moléculas de monossacarídeos: a glicose e a galactose. Sua fórmula molecular é C₁₂H₂₂O₁₁ e ela está presente exclusivamente no leite dos mamíferos, representando cerca de 2–8% do leite em massa. Quimicamente, a lactose cristaliza-se geralmente na forma de lactose monoidratada (com uma molécula de água), é solúvel em água e possui sabor levemente adocicado (aproximadamente 1/5 da doçura da sacarose). Trata-se de um pó branco a levemente amarelado, estável e não higroscópico em condições normais.

Do ponto de vista biológico, a lactose é a principal fonte de carboidrato no leite materno e de outros mamíferos, servindo como nutriente energético para recém-nascidos. No organismo, ela pode ser hidrolisada pela enzima lactase nos seus açúcares simples (glicose e galactose), os quais são então absorvidos. Em resumo, a lactose é um açúcar natural de origem animal (derivado do leite) com baixo índice glicêmico e valor calórico de 4 kcal/g, amplamente utilizado não apenas em alimentos, mas também em preparações farmacêuticas devido às suas propriedades físico-químicas úteis.

Uso da lactose na fabricação de medicamentos

A lactose desempenha um papel importante como excipiente (ingrediente farmacêutico inativo) na fabricação de medicamentos. Em particular, ela é muito empregada como diluente ou veículo em fórmulas sólidas orais – ou seja, uma substância de volume que carrega o fármaco ativo em comprimidos e cápsulas. Devido às suas características favoráveis (sabor neutro, estabilidade química e física, baixa reatividade e boa solubilidade em água), a lactose é considerada um excipiente ideal para diversas formas farmacêuticas. Ela é quimicamente inerte em relação à maioria dos fármacos, estável durante o armazenamento, não tóxica e de custo relativamente baixo, o que explica seu uso tão difundido.

Na prática, a lactose ajuda a comprimir comprimidos e a preencher cápsulas com uniformidade, garantindo que cada unidade contenha a dose correta do medicamento ativo. Além disso, por possuir boa flowability (fluidez), ela facilita o processo de manufatura, enchimento de cápsulas e compressão de comprimidos. Certas formulações em pó também utilizam lactose como veículo para princípios ativos: por exemplo, em inaladores de pó seco para doenças respiratórias, a lactose funciona como partícula carreadora do fármaco inalável. Da mesma forma, em alguns medicamentos injetáveis liofilizados (pós para reconstituição), a lactose atua como crioprotetor e estabilizante durante o processo de liofilização, protegendo o fármaco da degradação.

Em termos quantitativos, estima-se que a lactose esteja presente como excipiente em cerca de 20% dos medicamentos sob prescrição médica e em aproximadamente 6% dos medicamentos isentos de prescrição (OTC) disponíveis no mercado. É encontrada tipicamente em comprimidos, cápsulas, pastilhas e até em formulações de pó para injeção intravenosa, cumprindo função principalmente de diluente. Em suma, sua ampla disponibilidade e propriedades favoráveis tornaram a lactose um dos excipientes mais utilizados pela indústria farmacêutica atualmente.

Origem da lactose na indústria farmacêutica

Uma questão relevante é a origem da lactose utilizada como insumo farmacêutico: ela é de origem animal, vegetal ou sintética? Conforme definido pelas referências técnicas e regulatórias, a lactose é categorizada como um excipiente de origem animal, pois é extraída do leite de mamíferos (predominantemente do leite de vaca). A fonte industrial mais comum é o soro de leite bovino, um subproduto do processo de fabricação de queijos. Após a coagulação do leite na produção de queijos (por ação de coalho/renina), sobra o soro do leite, líquido rico em lactose, do qual a lactose é então isolada e purificada em escala industrial.

O processo de obtenção envolve a ultrafiltração ou outras técnicas para remover proteínas do soro, concentração do líquido permeado rico em lactose e posterior cristalização e secagem da lactose. O resultado é a lactose monoidratada de grau farmacêutico, geralmente um pó fino branco. Fabricantes de insumos farmacêuticos ativos confirmam essa procedência: “a lactose de grau farmacêutico é produzida a partir do soro do leite – o líquido remanescente após a coagulação e a separação da coalhada na fabricação de queijo”. Em outras palavras, não existe uma “lactose vegetal” – toda lactose comercialmente disponível provém do leite de mamíferos, tornando-a intrinsecamente um derivado animal. Não há, até o momento, produção sintética em larga escala de lactose que viabilize uso comercial (dado o abundante suprimento a baixo custo via indústria de laticínios).

Do ponto de vista regulatório, órgãos como a Anvisa no Brasil e a EMA (Agência Europeia de Medicamentos) reconhecem a lactose como excipiente derivado de leite. Por exemplo, a literatura técnica apoiada em diretrizes da Anvisa classifica explicitamente a lactose entre os excipientes de origem animal, ao lado de outros como gelatina (derivada de ossos/pele de animais). Da mesma forma, regulamentos internacionais exigem que a presença de lactose seja informada na bula do medicamento devido a questões de segurança (como intolerância à lactose) – na Europa, um guia da Comissão Europeia lista a lactose como excipiente que deve vir acompanhado de aviso ao paciente no rótulo e bula. Contudo, vale ressaltar que as agências reguladoras não exigem que se detalhe a origem exata de cada excipiente na bula, apenas que se liste qualitativamente sua presença. Assim, a maioria das bulas de medicamentos trará “lactose” na composição quando ela estiver presente, porém sem mencionar que se trata de um derivado de leite bovino – informação que é dada como sabida, mas que nem todos os consumidores associam imediatamente.

Lactose e compatibilidade com dietas veganas

Considerando que a lactose provém do leite de origem animal, sua presença em medicamentos não é compatível com dietas veganas estritas. Pessoas veganas, por definição, evitam consumir quaisquer produtos de origem animal ou obtidos através da exploração animal – e isso inclui leite e derivados. Portanto, um medicamento que contém lactose em sua fórmula não seria considerado “vegano”. Mesmo que a lactose seja um componente inativo e presente em pequenas quantidades, ela é ainda assim um derivado animal (do leite de vaca), o que contraria os princípios do veganismo. Fontes especializadas esclarecem que a lactose pode ser aceitável para vegetarianos (lacto-vegetarianos), mas não para veganos, justamente por ser um insumo oriundo de animais.

Fabricantes de ingredientes também enfatizam esse ponto em comunicados aos consumidores: “não é um ingrediente adequado para dietas veganas; se você segue uma dieta vegana ou livre de laticínios, deve evitar produtos que contenham lactose”. Em suma, a lactose não é considerada vegana. Pessoas veganas preocupadas com medicamentos devem ficar atentas às composições descritas nas bulas – procurando termos como “lactose”, “lactose monoidratada” ou “açúcar do leite” – para identificar a presença desse excipiente e, se desejarem, discutir com seu médico ou farmacêutico alternativas isentas de lactose.

É importante diferenciar que a restrição aqui não se deve a alergia ou intolerância alimentária, mas sim a princípios éticos. Ou seja, mesmo que a quantidade de lactose em um comprimido possa ser mínima a ponto de não causar sintomas em intolerantes, para o vegano a questão é a origem. Assim, do ponto de vista vegano, a lactose em um medicamento carrega o mesmo peso de um ingrediente como gelatina (derivado de colágeno animal), ainda que esteja presente apenas como excipiente inerte.

Alternativas veganas para substituir a lactose como excipiente

Diante da necessidade de formular medicamentos isentos de insumos de origem animal, a indústria farmacêutica dispõe de diversas alternativas veganas para substituir a lactose como excipiente diluente. Em geral, buscam-se ingredientes de origem vegetal ou mineral que desempenhem funções similares de preenchimento, estabilidade e auxílio na fabricação dos comprimidos/cápsulas. Algumas das principais alternativas incluem:

  • Celulose microcristalina – derivada de fibra vegetal (por exemplo, da polpa de madeira ou algodão). É um excipiente inerte, amplamente usado como diluente e aglutinante em comprimidos, fornecendo boa compressibilidade e origem 100% vegetal.

  • Amidos (como amido de milho, amido de batata ou derivados modificados): atuam como agentes de volume e desintegrantes em comprimidos, auxiliando na dissolução do medicamento. São de origem vegetal e possuem boa compatibilidade farmacêutica.

  • Sacarose (açúcar de cana) ou glicose: açúcares de origem vegetal que podem, em certas formulações, substituir a lactose para fornecer volume e palatabilidade. A sacarose é utilizada como diluente em comprimidos mastigáveis e granulados, por exemplo.

  • Polióis como manitol ou sorbitol: são álcoois de açúcar geralmente obtidos via processos fermentativos de matérias-primas vegetais (glicose de milho, etc.). O manitol é usado como diluente em comprimidos sublinguais e em formulações injetáveis, possuindo sabor adocicado suave e efeito refrescante. Essas substâncias não provêm de fontes animais e costumam ser bem toleradas.

  • Fosfato de cálcio (diluente inorgânico) e outros excipientes sintéticos: embora não sejam de origem biológica, alguns excipientes minerais ou sintetizados em laboratório podem ser opções – por exemplo, fosfato dicalcico ou silicato de magnésio – desde que seus processos de fabricação não envolvam insumos animais.

Cada alternativa apresenta propriedades físicas particulares (compressibilidade, solubilidade, etc.), de modo que a substituição da lactose por outro excipiente pode exigir ajustes na formulação e processo produtivo para garantir que o medicamento mantenha a mesma eficácia e estabilidade. Ainda assim, estudos indicam que é possível formular praticamente todas as formas farmacêuticas sem lactose, utilizando combinações de excipientes vegetais/sintéticos para atingir desempenho equivalente.

Do ponto de vista do paciente vegano, isso significa que existem opções de medicamentos sem lactose no mercado, embora identificar tais opções nem sempre seja simples. Por exemplo, certos fabricantes disponibilizam versões reformuladas de medicamentos comuns usando celulose no lugar de lactose. Além disso, cápsulas que antes eram de gelatina animal podem ser confeccionadas com hipromelose (HPMC), um derivado de celulose vegetal, tornando o produto final isento de componentes animais. O desenvolvimento de medicamentos inteiramente “vegan-friendly” é uma tendência emergente – em 2022, foi lançada na Europa a primeira medicação certificada pela Vegan Society, livre de qualquer insumo animal. Essa iniciativa sinaliza que a indústria começa a responder à demanda por opções verdadeiramente veganas em farmacoterapia.

Considerações finais e orientações ao consumidor vegano

Em conclusão, a lactose é um excipiente amplamente utilizado pela indústria farmacêutica por suas características técnicas vantajosas, porém deriva exclusivamente de fonte animal (leite bovino) e não atende aos critérios de uma dieta vegana. Sua função nos medicamentos é inerte – servir de base ou veículo para o fármaco ativo – podendo ser substituída por diversos outros excipientes de origem vegetal ou sintética, conforme discutido. Para o público vegano preocupado em evitar produtos de origem animal mesmo em medicamentos, ficam algumas recomendações:

  • Leia atentamente as bulas: verifique na composição do medicamento se há menção a lactose ou outros excipientes potencialmente animais (como gelatina, estearatos não especificados, etc.). Lembre-se de que termos como “lactose monoidratada” indicam a presença do derivado de leite.

  • Consulte o farmacêutico ou médico: Caso tenha dúvidas sobre a composição ou existam alternativas disponíveis, procure orientação profissional. Muitas vezes, diferentes fabricantes ou marcas de um mesmo fármaco utilizam excipientes distintos – por exemplo, um genérico pode usar celulose em vez de lactose – e a troca por um equivalente terapêutico sem lactose pode ser viável.

  • Entenda as limitações de rotulagem: A legislação atual não obriga os fabricantes a informarem na bula a origem (animal/vegetal) de cada excipiente. Portanto, mesmo produtos listando “lactose” não explicitarão que se trata de derivado de leite, e excipientes como “estearato de magnésio” podem vir de fonte animal ou vegetal sem distinção. Diante disso, quando a origem for crucial para você, pode ser necessário entrar em contato com o SAC do fabricante para esclarecimentos – embora nem sempre a empresa possua essa informação detalhada prontamente.

  • Não interrompa tratamento sem orientação: Por fim, embora seja válido buscar opções compatíveis com seus princípios, é importante não suspender nenhum medicamento essencial sem antes discutir com um profissional de saúde. Existem casos em que evitar completamente produtos de origem animal pode ser difícil (por exemplo, algumas vacinas ou medicamentos biotecnológicos podem usar insumos animais em sua fabricação). Nesses casos, avalie com seu médico o melhor curso de ação, sempre pesando risco/benefício para sua saúde.

Em suma, informar-se é fundamental. A lactose, por ser um excipiente “oculto” a olho nu no medicamento, muitas vezes passa despercebida pelo paciente comum, mas para veganos é um componente relevante. Esperamos que as informações aqui reunidas – amparadas em literatura técnico-científica, dados de fabricantes e diretrizes de órgãos reguladores – auxiliem consumidores veganos a tomar decisões conscientes sobre seu tratamento de saúde, equilibrando suas convicções com as orientações médicas.

Fontes e referências selecionadas: Lactose é um dissacarídeo do leite composto por glicose+galactose; amplamente usada como excipiente inerte, estável e não-tóxico em medicamentos, presente em ~20% das formulações de referência como diluente de comprimidos, cápsulas, inaladores etc.; obtida industrialmente do soro do leite bovino (derivado de queijo), sendo portanto de origem animal e não compatível com veganismo. Veganos devem evitar produtos com lactose e optar por alternativas como celulose, amidos, açúcares ou polióis, que podem substituir a lactose nas formulações. As agências reguladoras reconhecem a lactose como excipiente de origem animal, embora não exijam rotulagem explícita dessa origem nas bulas.

  • Acessos 8781