Progesterona (Progesterone.)
Progesterona em Medicamentos: Uso, Formas e Origem da Substância
O que é a progesterona e por que ela é usada em medicamentos
A progesterona é um hormônio esteróide natural produzido principalmente pelos ovários nas mulheres (e em menores quantidades pelas glândulas adrenais e pela placenta durante a gravidez). Ela desempenha papéis cruciais no ciclo menstrual e na gestação – por exemplo, prepara o útero para receber e manter uma gravidez, e ajuda a regular o ciclo menstrual. Em medicamentos, a progesterona (ou substâncias sintéticas análogas a ela, chamadas progestagênios) é utilizada por seus efeitos no sistema reprodutivo e endócrino. Esses medicamentos podem ajudar a tratar distúrbios hormonais (como deficiência de progesterona que cause irregularidades menstruais ou risco de aborto espontâneo), servir como método anticoncepcional ou fazer parte da terapia de reposição hormonal (TRH) em mulheres menopausadas, entre outras aplicações.
A progesterona medicamentosa pode ser idêntica quimicamente à progesterona humana (chamada progesterona natural micronizada ou bioidêntica) ou pode ser um derivado sintético com estrutura similar que reproduz seus efeitos (como as várias progestinas usadas em anticoncepcionais). A progesterona bioidêntica age no organismo da mesma forma que o hormônio produzido pelos ovários. Já as progestinas sintéticas (como medroxiprogesterona, levonorgestrel, didrogesterona, entre outras) têm estruturas modificadas – isso pode conferir maior potência ou estabilidade, permitindo, por exemplo, uso em pílulas anticoncepcionais orais eficazes. Em resumo, utiliza-se progesterona e análogos em medicamentos principalmente para: prevenir a ovulação e a gravidez (anticoncepção), proteger o endométrio em terapias com estrogênio (na menopausa), apoiar a fase lútea em tratamentos de fertilidade ou evitar partos prematuros, tratar irregularidades menstruais e outras condições sensíveis a hormônios.
Tipos de medicamentos e formas farmacêuticas com progesterona
A progesterona (ou seus análogos) está presente em diversos medicamentos e pode ser administrada por várias vias. A seguir, estão as formas conhecidas – orais, tópicas, injetáveis, implantes e outras – com exemplos de uso:
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Formas orais (cápsulas e comprimidos): Existem cápsulas de progesterona micronizada, usadas em terapia hormonal e certos distúrbios reprodutivos, e comprimidos de progestinas sintéticas usados em anticoncepcionais. Por exemplo, o Utrogestan (progesterona micronizada) é uma cápsula gelatinosa oral ou vaginal para suplementação hormonal, enquanto pílulas anticoncepcionais podem conter somente um derivado de progesterona (pílula minimizada ou “minipílula”) ou uma combinação de estrogênio + progestina. Essas pílulas agem prevenindo a ovulação e alterando o muco cervical para evitar a gravidez. Também há comprimidos de progestina prescritos para problemas como TPM severa, endometriose ou hemorragias uterinas. No caso de anticoncepcionais orais, costuma-se usar progestagênios sintéticos (como levonorgestrel, desogestrel, drospirenona, didrogesterona etc.), pois a progesterona natural pura tem baixa absorção oral a menos que seja micronizada e, mesmo assim, não é tão eficaz como contraceptivo em dose oral comum.
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Formas tópicas e transdérmicas: Incluem cremes, géis ou adesivos. A progesterona em cremes ou géis tópicos é utilizada especialmente em contexto de “hormônios bioidênticos” na menopausa ou em cosméticos. Por exemplo, existem cremes de progesterona bioidêntica usados para sintomas climatéricos ou até como anti-rugas. Esses produtos liberam o hormônio através da pele em doses menores e têm efeito mais local. Na terapia de reposição, também existem adesivos transdérmicos e géis com estrogênio; no caso de progesterona, ainda não há adesivo somente de progesterona amplamente disponível, mas há géis vaginais (como veremos adiante) e pesquisas com formulações transdérmicas de progestagênios. Alguns cremes vendidos como “naturais” contêm extratos de inhame selvagem, alegando aumentar progesterona – porém, vale notar que o corpo não converte diretamente extrato de inhame em progesterona; apenas em laboratório é possível extrair e modificar a substância (diosgenina) para obter progesterona ativa.
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Formas injetáveis: A via intramuscular ou subcutânea é usada para fornecer doses mais altas e de efeito prolongado. Exemplos: a injeção anticoncepcional trimestral (acetato de medroxiprogesterona, marca Depo-Provera) e as injeções de progesterona em óleo utilizadas em tratamentos de fertilidade ou para prevenir parto prematuro. No primeiro caso, trata-se de uma progestina sintética (medroxiprogesterona) aplicada como suspensão intramuscular de depósito, liberando o hormônio aos poucos e prevenindo a ovulação por cerca de 3 meses. No segundo caso (muito comum em fertilização in vitro e suporte de gravidez inicial), usa-se progesterona natural injetável, dissolvida em óleo (geralmente óleo vegetal, como óleo de gergelim ou amendoim) para aplicação diária ou semanal conforme a necessidade médica. As formulações injetáveis geralmente não contêm excipientes de origem animal – por exemplo, a injeção Depo-Provera contém medroxiprogesterona como ativo e componentes inertes como polietilenoglicol, polisorbato 80, cloreto de sódio e conservantes parabeno, em água estéril, nenhum dos quais é derivado de animais. Essas injeções são escolhidas quando se quer garantir adesão (no caso de contracepção trimestral) ou obter níveis hormonais consistentes (no caso de suporte luteal em reprodução assistida).
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Implantes e dispositivos intrauterinos: Já existem métodos de longa duração à base de progesterona/progestina. Os implantes subdérmicos (como o implante contraceptivo no braço, ex. Nexplanon que libera etonogestrel) fornecem proteção contraceptiva por até 3 anos liberando continuamente um progestagênio sintético. Esses implantes são bastonetes plásticos inseridos sob a pele e não possuem componentes de origem animal em seu material – o princípio ativo é sintético e a estrutura do implante é de polímero médico. Outro dispositivo importante é o DIU hormonal (dispositivo intrauterino liberador de levonorgestrel, ex. Mirena, Kyleena). O DIU libera localmente uma progestina no útero por até 5 anos, prevenindo gravidez. O levonorgestrel no DIU é sintético e a estrutura do dispositivo é de plástico; porém, atenção: alguns DIUs utilizam, em seu aplicador (inseridor descartável), substâncias de origem animal – por exemplo, relatórios indicam que o aplicador do DIU Mirena possui derivado animal, o que levou algumas pacientes veganas a preferirem alternativas (como os DIUs Levosert ou Benilexa, que não contêm esse material no inseridor). De qualquer forma, o dispositivo em si que permanece no corpo não contém ingredientes animais.
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Supositórios, óvulos vaginais e outras formas: A via vaginal é bastante usada para progesterona, tanto em suporte à fertilidade quanto off-label na reposição hormonal. Há óvulos vaginais (pessários) de progesterona micronizada e géis vaginais. Exemplos: Cyclogest (pessário vag/retal de progesterona 200/400 mg) e Crinone (gel vaginal de progesterona 4% ou 8%). Essas formas aproveitam a absorção local e sistêmica pela vagina, frequentemente com menos efeitos colaterais sistêmicos que a via oral. Muitos ginecologistas indicam progesterona vaginal, por exemplo, para evitar ameaça de aborto no primeiro trimestre ou para sintomas perimenopáusicos em mulheres que não toleram a via oral. Sobre os componentes: no Cyclogest, o comprimido vaginol (pessário) usa uma base de gordura vegetal sólida que derrete com a temperatura corporal, liberando a progesterona. Já o gel Crinone contém um polímero bioadesivo, água, glicerina, óleos vegetais hidrogenados e outros excipientes neutros. Assim como as injeções, formas vaginais geralmente não contêm excipientes animais, pois usam bases oleosas ou poliméricas. Essas formas podem ser vantajosas para pacientes veganas, como veremos, já que evitam cápsulas de gelatina e comprimidos com lactose.
Origem da progesterona: obtenção animal, vegetal, sintética ou mista
Uma preocupação da comunidade vegana é de onde vem a progesterona presente nos medicamentos. Ou seja, se o princípio ativo (hormônio) é obtido de fontes animais, vegetais ou sintetizado artificialmente. A resposta varia conforme a época e o tipo de substância, mas atualmente a maior parte da progesterona de uso farmacêutico é de origem semissintética, derivada de plantas – não sendo extraída diretamente de tecidos animais.
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Origem animal (histórica): Nas primeiras décadas de pesquisa hormonal (1930-1940), a única forma de obter hormônios como progesterona era isolando-os de tecidos animais. Chegou-se a extrair progesterona de ovários de animais de abate ou placenta em quantidades mínimas, mas esse processo era extremamente ineficiente e caro. Por exemplo, na década de 1940 o custo da progesterona natural extraída era estimado em centenas de dólares por grama – inviável para uso amplo. Nessa época, praticamente só milionários ou usos veterinários especializados (como criadores de cavalos de raça) podiam custear o hormônio. Portanto, embora exista progesterona naturalmente em animais (é produzida pelos ovários, placenta e até encontrada em leite de vaca em traços), não se produz medicamentos coletando progesterona de animais, tanto por questões de rendimento quanto de ética. Uma exceção notável no campo hormonal foi o estrogênio conjugado derivado de urina de éguas prenhes (Premarin) usado em reposição hormonal – mas esse é um caso de estrogênio de origem animal, não progesterona. Em resumo, o caminho animal para progesterona foi praticamente abandonado com os avanços científicos, embora traços de ingredientes animais pudessem ser usados indiretamente (ver origem mista).
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Origem vegetal (semissintética): A descoberta que revolucionou o acesso a hormônios foi encontrar precursores em plantas. Em 1943, o químico Russell Marker demonstrou uma técnica para sintetizar progesterona a partir de plantas, especificamente de uma espécie de inhame mexicano rico em uma substância chamada diosgenina. A diosgenina, extraída de tubérculos de inhame (gênero Dioscorea), é um esteróide vegetal que pode ser quimicamente convertido em progesterona através de etapas de laboratório (processo conhecido como degradação de Marker). Esse avanço permitiu produzir progesterona em massa de forma muito mais barata. Por décadas, inhames selvagens foram a principal fonte de matéria-prima. Mais tarde, encontraram-se esteróis abundantes na soja que também podem ser convertidos em hormônios; a soja cultivada acabou se tornando uma fonte industrial importante, por ser mais previsível e disponível o ano todo. Hoje, a grande maioria da progesterona USP (grau farmacêutico) no mercado é produzida via síntese química a partir de compostos vegetais – tipicamente a partir de esteróis da soja ou do inhame. Esses processos transformam as moléculas vegetais em progesterona idêntica à humana, razão pela qual os rótulos às vezes chamam de “progesterona natural” apesar de ser produzida em laboratório. Por exemplo, a bula do medicamento Prometrium (progesterona micronizada) nos EUA esclarece que “a progesterona é sintetizada de um material de origem vegetal e é quimicamente idêntica à progesterona ovariana humana”. De forma similar, o fabricante do pessário Cyclogest confirma que a progesterona usada é obtida de fontes vegetais, principalmente do inhame mexicano (Dioscorea mexicana), por processo semissintético. Ou seja, no produto final o princípio ativo não veio diretamente de um animal, e sim de uma transformação de moléculas vegetais. Esse fato é importante para pacientes veganos: a progesterona contida nos medicamentos, quando é “progesterona natural micronizada”, geralmente tem origem vegetal (ainda que processada industrialmente).
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Origem sintética (laboratorial): Além da progesterona bioidêntica, existem muitas variantes sintéticas, chamadas geralmente de progestinas ou progestágenos sintéticos. Essas moléculas (ex.: levonorgestrel, medroxiprogesterona, noretisterona, didrogesterona, drospirenona, entre outras) são criadas em laboratório através de reações químicas que frequentemente usam como ponto de partida a própria progesterona ou esteróides vegetais. Por exemplo, a noretisterona (um dos primeiros progestágenos orais efetivos) foi sintetizada por Carl Djerassi a partir da estrutura da progesterona, resultando em um composto com potência muito maior. Em termos de origem, podemos considerar essas substâncias como sintéticas, pois não existem idênticas na natureza e são produzidas por química orgânica. No entanto, vale mencionar que, para fabricar muitos desses hormônios sintéticos, a indústria também costuma partir de esteróis vegetais (como os da soja) como matéria-prima básica. Ou seja, mesmo as progestinas “artificiais” muitas vezes começam de um ingrediente vegetal e depois sofrem modificações químicas. Há casos em que derivados de colesterol de origem animal foram utilizados em síntese de esteroides – por exemplo, o colesterol extraído da lanolina (gordura da lã de ovelha) pode servir como insumo industrial para produzir alguns hormônios esteróides. Isso ocorreu historicamente em algumas fábricas (lanolina era um subproduto abundante da pecuária e rica em colesterol). Entretanto, nos medicamentos modernos, é muito mais comum o uso de fontes vegetais; a rota via lanolina animal não é amplamente mencionada para progesterona em particular. Assim, podemos dizer que a origem “mista” (animal+sintética) da progesterona não é frequente hoje – ou seja, não se obtém progesterona diretamente de animais, mas alguns processos podem ter utilizado matérias-primas de fonte animal em algum passo químico. A menos que o fabricante informe claramente (o que é raro), assume-se que praticamente toda progesterona farmacêutica atual provém de fontes vegetais ou sintéticas, não de tecido animal.
Resumo das origens: De modo geral, para um comprimido ou ampola de progesterona atual, o princípio ativo provavelmente foi sintetizado a partir de plantas (como soja/inhames). Não consta em bulas contemporâneas o uso de glândulas animais para extrair progesterona. Já as progestinas sintéticas também são produzidas em reator químico, possivelmente com insumos vegetais. Logo, do ponto de vista do princípio ativo, medicamentos de progesterona costumam ser isentos de componentes animais na sua origem química exceto por eventuais casos de uso de colesterol de lã (não informado usualmente) ou pela existência de hormônios conjugados de urina equina (mas isso se aplica a estrogênios como conjugados equinos, não à progesterona). Importante frisar, porém, que a ausência de ingrediente animal no princípio ativo não significa que o produto final seja automaticamente “vegano”, pois entram em questão os excipientes e o próprio processo de fabricação (e testes).
Excipientes de origem animal em medicamentos com progesterona
Mesmo quando a progesterona em si é derivada de plantas, um medicamento pode conter outros ingredientes de origem animal. Esses ingredientes inativos (excipientes, cápsulas, revestimentos) muitas vezes são indispensáveis para formular o medicamento, mas podem representar um problema para veganos. Abaixo listamos os componentes de origem animal mais comuns em produtos à base de progesterona/progestina:
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Gelatina em cápsulas: Muitas das cápsulas moles ou cápsulas gelatinosas que contêm progesterona são feitas de gelatina farmacêutica, a qual é derivada do colágeno de ossos e peles de animais (geralmente bovinos ou suínos). Por exemplo, as cápsulas de Utrogestan (progesterona micronizada 100 mg ou 200 mg) têm gelatina em sua composição de cápsula. O mesmo vale para marcas similares (como Junno, Gestrin, Yclin e outras progesteronas micronizadas disponíveis): todas usam cápsulas moles de gelatina para conter o óleo com progesterona. Essa gelatina é claramente de origem animal, tornando o produto não adequado ao veganismo estrito. Não há, até o momento, cápsulas de progesterona 100% vegetais disponibilizadas pelos laboratórios convencionais (a gelatina é preferida por garantir cápsulas moles estáveis). Portanto, toda cápsula gelatinosa deve ser vista como ingrediente animal.
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Lactose em comprimidos: A lactose (açúcar do leite de vaca) é um excipiente muito usado em comprimidos e drágeas hormonais. Ela serve como diluente e agente de compressão. Virtualmente todas as pílulas anticoncepcionais orais contêm lactose em pequena quantidade. Isso significa que, embora a quantidade seja mínima, o ingrediente provém do leite (geralmente obtido como subproduto da indústria de queijos). Por exemplo, o comprimido de didrogesterona (Duphaston 10 mg, usado para alguns distúrbios hormonais) contém lactose monoidratada como principal excipiente. Outros comprimidos de terapia hormonal combinada também listam lactose em suas fórmulas. Para vegetarianos que consomem laticínios isso não seria um impedimento, mas para veganos estritos, sim. Infelizmente, não há hoje no mercado pílulas orais de progesterona/progestina completamente livres de lactose – até onde se sabe, todas usam esse ou outro excipiente de origem animal, de modo que os veganos precisam recorrer ao princípio do “se possível e praticável” do Veganismo quando necessitam desses medicamentos.
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Estearatos e outros sais de ácidos graxos: Um excipiente bem comum em comprimidos é o estearato de magnésio – utilizado como lubrificante na fabricação de comprimidos. O estearato de magnésio pode ser produzido a partir de ácido esteárico de fonte animal (gordura de boi/porco) ou de fonte vegetal (gorduras vegetais, como óleo de palma ou karité). A ficha do produto geralmente não diferencia a origem; é “quimicamente idêntico” independentemente da fonte. Tradicionalmente, muito do estearato era de origem animal, mas hoje existem fornecedores vegetais. No contexto de medicamentos, é difícil saber qual fonte foi usada em um lote específico. Então, para um vegano rigoroso, o estearato representa uma incerteza. Medicamentos hormonais como comprimidos de progestina podem conter estearato de magnésio ou ácido esteárico. Por exemplo, o já citado Duphaston tem estearato de magnésio na composição. Como alerta um artigo do Birth Control Pharmacist, “o lactose e o estearato de magnésio podem ser problemáticos para veganos; o primeiro vem tradicionalmente do leite bovino, e o segundo tipicamente é derivado de gordura de boi, porco ou ovelha, embora possa ser feito de fontes vegetais”. Ou seja, ambos os ingredientes podem ser de origem animal, e o rótulo não esclarece.
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Outros possíveis ingredientes: Cápsulas duras ou comprimidos podem ter revestimentos, corantes ou agentes de brilho com componentes animais. Um exemplo é o revestimento entérico em cápsulas, que por vezes usa eshellac (resina de secreção de insetos) ou estearato de origem animal para lubrificar. Em medicamentos específicos de progesterona isso não é tão comum (muitos não têm revestimento especial), mas é algo a observar em bulas. Colecalciferol (vitamina D3) às vezes é adicionado em formulações vitamínicas ou de suporte e é derivado de lanolina (animal), porém não costuma aparecer em fármacos somente de progesterona. Caseína (proteína do leite) pode existir em adesivos transdérmicos medicinais (como alguns adesivos de hormônio ou curativos), mas novamente, não é o caso de progesterona pura até onde sabemos. Glicerina e polissorbatos usados em cápsulas moles e cremes antigamente poderiam vir de fontes animais (glicerina do sebo, ácidos graxos do sebo para polissorbato), mas hoje a maioria é de origem vegetal ou sintética. Por via das dúvidas, muitos fabricantes obtêm glicerina de óleos vegetais. Por exemplo, a cápsula do Utrogestan inclui glicerol (glicerina) além da gelatina, mas glicerol USP costuma ser vegetal atualmente. Portanto, os maiores vilões identificáveis continuam sendo gelatina e lactose.
Em resumo, ao avaliar um medicamento de progesterona quanto a excipientes animais, verifique na bula itens como: gelatina (cápsulas moles = origem animal certa), lactose (comprimidos = origem animal do leite), estearato de magnésio/ácido esteárico (possível origem animal), e outros ingredientes suspeitos. Se a bula não detalhar, pode-se consultar o fabricante. Um estudo publicado no BMJ mostrou que nem mesmo os fabricantes às vezes têm informação clara sobre a origem exata de excipientes como lactose ou estearato, o que levou os autores a pedir maior transparência no rótulo sobre componentes de origem animal. Assim, infelizmente, a confirmação muitas vezes exige contato direto com o SAC do laboratório ou busca por alternativas conhecidas.
Medicamentos com progesterona adequados para veganos e como identificá-los
Diante de tudo o que foi exposto, surge a pergunta: existem opções de medicamentos à base de progesterona que sejam adequadas para veganos? A boa notícia é que sim, existem algumas alternativas, embora com algumas ressalvas importantes.
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Uso de formas não-orais (vaginais, injetáveis, dispositivos): Uma estratégia para evitar componentes animais é optar por formas farmacêuticas que tipicamente não os contenham. Por exemplo, uma mulher vegana que precise de progesterona na terapia hormonal da menopausa poderia evitar as cápsulas orais (gelatina) e em vez disso usar um pessário vaginal ou gel vaginal de progesterona, que cumprem a mesma função de proteger o endométrio. Conforme orientação de especialistas, o pessário Cyclogest (progesterona vaginal) e o gel Crinone são opções livres de gelatina que fornecem progesterona micronizada. O Cyclogest, em particular, foi certificado pela Vegan Society no Reino Unido como adequado para veganos, pois não utiliza nenhuma matéria-prima de origem animal ou humana em sua fabricação. A progesterona do Cyclogest vem de plantas (inhame mexicano) e até mesmo sua base sólida é inteiramente vegetal (derivada de óleos de palma, palmiste, coco, etc.). Esse é um exemplo claro de medicamento “vegano” em termos de composição. Da mesma forma, se considerarmos anticoncepção, uma paciente vegana pode preferir métodos como DIU hormonal, implante subdérmico, injeção trimestral ou mesmo preservativos não contendo caseína. Os implantes e DIUs, conforme mencionado, não possuem ingredientes animais em si (apenas atenção ao aplicador do DIU no caso do Mirena; alternativamente, escolher DIU cujo aplicador seja livre de componentes animais, como Levosert/Benilexa). A injeção Depo-Provera tampouco contém lactose ou gelatina, sendo principalmente uma solução/suspensão química. Entretanto, deve-se lembrar que o acetato de medroxiprogesterona contido ali é um progestágeno sintético – não derivado diretamente de animal, mas ainda assim testado em animais (como qualquer fármaco).
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Formulações especiais e farmácias de manipulação: Em alguns países, podem existir cápsulas vegetais manipuladas de progesterona. Farmácias de manipulação (magistrais) no Brasil, por exemplo, oferecem a possibilidade de formular progesterona micronizada em cápsulas veganas de origem vegetal (feito de celulose). Nesses casos, também se pode pedir que utilizem um excipiente livre de lactose (como celulose microcristalina, amido de milho, etc.) e evitem qualquer aditivo de fonte animal. Essa pode ser uma solução para pacientes veganos que precisem de progesterona oral em vez de vaginal. No entanto, é importante fazê-lo com acompanhamento médico e em estabelecimento de confiança para garantir a dosagem correta. Vale ressaltar que medicamentos manipulados não passam pelo mesmo processo de testes clínicos que as formulações industriais; portanto, deve-se ter segurança de que a alternativa manipulada oferece biodisponibilidade adequada.
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Verificação de bula e contato com fabricantes: Para identificar se um medicamento existente é apropriado para veganos, o primeiro passo é ler atentamente a bula, na seção de composição/excipientes. Procure termos como os já discutidos (gelatina, lactose, etc.). Se nenhum ingrediente claramente animal aparecer, o medicamento pode ser vegano em composição. Porém, às vezes a origem não é óbvia – p. ex., “estearato de magnésio” ou “glicerina” podem ser vegetais ou não. Nesses casos, o paciente ou profissional de saúde pode entrar em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) do laboratório para questionar a origem dos excipientes. Infelizmente, como estudos apontaram, nem sempre a informação vem fácil; ainda assim, esse diálogo pressiona a indústria para mais transparência. Algumas organizações veganas publicam listas de medicamentos considerados livres de animais. Por exemplo, a Vegan Society do Reino Unido possui uma lista de medicamentos sem derivados animais, e no Brasil há guias veganos online (como o MapaVeg) comentando ingredientes gerais. O MapaVeg classifica “Progesterona” como ingrediente de origem a confirmar (pode vir de fontes diversas) e sugere alternativas sintéticas – reforçando a necessidade de checar caso a caso.
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Pequeno porém sobre testes em animais: Mesmo identificando um medicamento cuja composição seja toda vegetal/sintética, é preciso reconhecer que todos os medicamentos aprovados em mercado foram testados em animais em algum momento, conforme exigências regulatórias globais. Para veganos éticos, isto é um dilema, pois envolve exploração animal indireta. A orientação prática de entidades veganas, como a Vegan Society, é que a pessoa não se sinta culpada por necessitar de um medicamento – a saúde deve vir em primeiro lugar, e o veganismo entende a cláusula “tanto quanto possível e praticável”. Ou seja, se não há alternativa viável sem teste animal, o uso do medicamento prescrito se justifica para o bem-estar do indivíduo. Dito isso, ao escolher entre dois medicamentos equivalentes, o vegano pode preferir aquele com menos componentes animais. Por exemplo, no caso da terapia de reposição hormonal: “A Vegan Society recomenda evitar medicamentos que contenham produtos animais, mas reitera o trecho ‘tanto quanto possível e praticável’ da definição de veganismo. Como todos os contraceptivos orais atuais têm lactose, entende-se que utilizá-los entra nessa exceção prática, já que não há opção completamente vegana”. Esse raciocínio se estende a outros medicamentos necessários: às vezes não haverá alternativa livre de insumos animais, e a pessoa deve cuidar da saúde da melhor forma disponível.
Resumo e orientações práticas para pacientes veganos
Em resumo, a progesterona usada em medicamentos é quimicamente igual à humana e majoritariamente derivada de fontes vegetais ou sintéticas, não exigindo a exploração direta de animais para sua produção. No entanto, muitos medicamentos à base de progesterona contêm ingredientes de origem animal em suas formulações, especialmente gelatina em cápsulas e lactose em comprimidos. Isso significa que nem todos os produtos disponíveis serão compatíveis com um estilo de vida vegano estrito.
Para pacientes veganos que precisam tomar tais medicamentos, seguem orientações práticas:
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Informe seu médico e farmacêutico sobre seu veganismo e preocupação com ingredientes. Profissionais de saúde podem ajudar a escolher alternativas (por exemplo, via vaginal em vez de oral, ou um método contraceptivo diferente) que minimizem componentes animais.
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Leia as bulas cuidadosamente em busca de excipientes de origem animal. Palavras como gelatina, lactose, caseína, cera de abelha, estearina, etc., indicam origem animal. Se a bula não for clara, não hesite em perguntar ao farmacêutico ou entrar em contato com o fabricante.
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Considere vias e fórmulas alternativas: Se o comprimido padrão contiver lactose, pergunte sobre a possibilidade de usar um gel vaginal, supositório ou injeção de progesterona, que podem não conter esses aditivos. Como visto, opções como pessários vaginais (por ex. progesterona micronizada via vaginal) podem ser mais amigáveis – o Cyclogest, por exemplo, não contém nada animal. Da mesma forma, implantes e DIUs hormonais podem ser escolhas no contexto contraceptivo (lembrando apenas do detalhe do aplicador de alguns DIUs, que pode ser contornado escolhendo marcas específicas).
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Farmácia de manipulação: Converse com seu médico sobre a viabilidade de manipular a progesterona em uma cápsula vegetal ou outra forma. Muitos hormônios estão disponíveis em farmácias de manipulação legalizadas, e você pode especificar cápsulas de origem vegetal e excipientes veganos. Certifique-se de utilizar uma farmácia de confiança e mantenha o acompanhamento médico, pois a potência e eficácia devem ser bem ajustadas.
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Pesquise listas e comunidades: Busque recursos de organizações veganas sobre medicamentos. Muitas vezes, outros veganos já mapearam quais marcas são “menos não-veganas”. Por exemplo, no Reino Unido há listagens de HRT adequado para veganos (indicando quais produtos contêm gelatina ou lactose). No Brasil, onde essas informações podem não ser facilmente encontradas prontas, grupos on-line podem ser úteis (com a devida cautela para checar a veracidade). Sempre confirme as informações obtidas informalmente consultando fontes oficiais (bulas, profissionais).
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Tenha flexibilidade quando necessário: Lembre-se da orientação da Vegan Society: nem sempre será possível evitar 100% dos produtos de origem animal em medicamentos, e tudo bem. A prioridade é sua saúde. Tome os medicamentos prescritos de forma correta – “cuidar de si mesmo permite que você seja um defensor eficaz do veganismo”. Ou seja, um vegano que, por necessidade médica, use um comprimido com lactose ainda é vegano, pois fez o possível dentro do praticável.
Em conclusão, a comunidade vegana pode se tranquilizar em saber que a progesterona dos medicamentos não vem diretamente de animais abatidos, mas deve estar atenta aos excipientes e formas de dosagem. Com informação, diálogo com profissionais de saúde e, quando viável, uso de alternativas (como formas vaginais ou manipuladas), é possível alinhar o tratamento hormonal às convicções veganas na maior medida possível. Sempre consulte seu médico antes de fazer mudanças na forma de tomar um medicamento, para assegurar a eficácia e sua segurança. Informar-se é o primeiro passo para que a indústria farmacêutica perceba a demanda por opções mais éticas – progressos nesse sentido já ocorrem, como vimos com produtos certificados pela Vegan Society. Assim, pacientes veganos podem, cada vez mais, encontrar suporte para tratar de sua saúde sem comprometer seus valores.
Fontes: Estudos e publicações sobre hormônios e veganismo foram utilizados na elaboração deste relatório, incluindo informações de bulas de medicamentos (Prometrium, Utrogestan), artigos de revisão histórica sobre a síntese de progesterona, diretrizes de associações médicas e materiais informativos voltados a pacientes veganos, além de dados fornecidos por fabricantes que certificam a origem vegetal de seus produtos. Todas as informações foram traduzidas e adaptadas para o português do Brasil.
Fontes Consultadas
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U.S. Food and Drug Administration (FDA). “Progesterone Information.” Disponível em: https://www.fda.gov
(Explica sobre uso, aprovação e origem da progesterona em medicamentos nos Estados Unidos.) -
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). “Terapia de reposição hormonal: o que é e quando usar.” Disponível em: https://www.endocrino.org.br
(Aborda aplicações da progesterona em tratamentos hormonais no Brasil.) -
British National Formulary (BNF). “Progesterone and Progestogens – Medicines Information.” NHS Digital, 2023.
(Resumo dos tipos de progesterona e derivados sintéticos, uso e excipientes em medicamentos.) -
Vegan Society UK. “Medications and Animal Ingredients: A Guide for Vegans.” Disponível em: https://www.vegansociety.com
(Guia completo sobre medicamentos, hormônios, excipientes e alternativas veganas.) -
Prometrium® (progesterone) – bula do fabricante. Organon, 2023.
(Esclarece a origem vegetal da progesterona farmacêutica micronizada e os excipientes da cápsula.) -
Cyclogest® (progesterone pessaries) – informações do fabricante. L.D. Collins & Co., 2023.
(Certificação vegana e detalhes da origem vegetal da progesterona utilizada.) -
Depo-Provera® (acetato de medroxiprogesterona) – bula do fabricante. Pfizer, 2023.
(Lista de componentes do medicamento injetável, esclarecendo ausência de ingredientes animais.) -
Duphaston® (didrogesterona) – bula do fabricante. Abbott, 2023.
(Composição do comprimido e uso de excipientes como lactose e estearato de magnésio.) -
Birth Control Pharmacist. “Vegan Considerations in Birth Control Options.” Disponível em: https://birthcontrolpharmacist.com/vegan
(Explica em linguagem acessível quais métodos contraceptivos têm ou podem ter ingredientes animais.) -
Russell Marker and the Development of the Birth Control Pill. Chemical Heritage Foundation, 2010.
(Relato histórico sobre a descoberta da progesterona vegetal via inhame mexicano.) -
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(Discussão sobre a produção de hormônios bioidênticos a partir de fontes vegetais.) -
MapaVeg. “Lista de Ingredientes de Origem Animal em Medicamentos.” Disponível em: https://mapaveg.com.br/ingredientes-medicamentos
(Lista de ingredientes de origem animal em remédios, incluindo progesterona, lactose, gelatina e estearatos.) -
BMJ (British Medical Journal). “Animal derived ingredients in medicines: highlight need for labelling,” 2019.
(Discussão sobre transparência e rotulagem de excipientes de origem animal.)
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